2019/2020
PARA NÃO DIZEREM QUE NÃO FALEI DAS FOLHAS
Pausa para férias em janeiro de 2019, com destino ao equador.
São Tomé e Príncipe são duas ilhas africanas no Atlântico ainda distantes de Angola e bastante, muito mesmo, longe da costa brasileira. O destino é, pois, tropical, mas nada diz a um baiano do interior que vive há mais de 17 anos em Portugal. Este é apenas um momento tranquilo que se procura num país sem inverno nem bulício. À chegada, nada chama particularmente a atenção. A natureza luxuriante lembra um Brasil distante do exílio europeu urbano. A sensação, quase instintiva, é de afastamento. Mas há os ilhéus, aquelas pessoas todas que ali estão nas ruas de terra e que moram em casas decadentes. Há um sorriso quente e um jeito leve de viver. Há crianças, muitas crianças, com olhos grandes e gestos doces e traquinas. E o olhar, aos poucos, tateia este ambiente. Encontra pontos de referência, aqueles pormenores descobertos sem querer, mas também sem precisão, como quando se distinguem vagas sombras na noite. Lentamente, a memória do que também ali é Brasil vai criando uma familiaridade não desejada, sentida apesar dele próprio. E as imagens vão começando a ser fixadas como estão ou como descrições encenadas do seu olhar. São pessoas com paisagens mais do que paisagens com pessoas. Este é um traço de estilo de uma arte própria. A arte de Bruno Saavedra. A proximidade tornada carinho, uma atenção que deseja compreender, o reviver de projetos com crianças na sua estada em Macau inspiram- -lhe “Esperança”, uma exposição solidária em Lisboa, inaugurada menos de um mês depois do seu regresso. O entusiasmo deu frutos traduzi- dos em variados objetos, cada um destinado a uma criança especial, a um sorriso curioso encontrado naquele tal janeiro. A ideia de regresso um ano mais tarde concretizaria a promessa, mas também alimentava aquela atração cada vez maior pela sensação de estranheza que não o tinha abandonado. Em janeiro de 2020, o mar e o céu das ilhas já não foram só espreitados, foram pressentidos e tocados intencionalmente. Porém, de novo, não era a paisagem essencial, era antes a essência natural em que habitam todas aquelas pessoas que ele queria verdadeiramente ver. E em todo aquele verde no meio do mar há folhas de bananeira, a árvore divina que alimenta graciosamente aquela gente afável e divertida. E se eles e as folhas são um só, as suas cores são também omnipresentes nos tecidos postos a secar, nos cortinados-gelosias das casas, nos trajes, na luz dos seus rostos. Foram voluntários nas experiências de fotografia tão naturalmente encenadas e, nestas, sente-se e entende-se uma leitura do humano, um toque profundo de beleza. E o que é paisagem neste projeto também são mulheres e homens e crianças. Mas, acima de tudo, é um sentimento de procura do outro, de olhar interessado, perscrutador, atraído. E justo, como justos são aqueles que sinceramente buscam o próximo. As fotografias de Bruno Saavedra neste trabalho mantêm uma linha e uma perspetiva de continuidade com “Made in China” ou “Na terra de Jacó”. A imagem de cada pessoa, aparentemente estática, leva-nos à sua relação com cada objeto que a rodeia ou em que toca. É um momento de intimidade, uma metáfora plena da vida. Naquela terra no meio da Terra, entre a generosidade plena da Natureza, vive gente a quem, paradoxalmente, faltam horizontes para além das bananeiras. As tais que estão em todo o lado e enchem as imagens turísticas das ilhas. As tais árvores verdes com as suas folhas carnudas. E, de qualquer modo, essas, omnipresentes, são (quase) gente. As folhas são um prolongamento das suas almas, do seu espírito, do seu olhar. Enfim, só para não dizerem que não falei das folhas…
Curadoria: Pauliana Valente Pimentel
Texto: Nuno Verdial Soares