




















Entre o Céu e a Terra o Império do Meio. inexpugnável, rico, e protegido por uma imensa muralha que o mantinha ainda mais distante .
Para os Ocidentais de então, um mundo exótico e diferente. Até que, depois uma longa marcha, se foi por todas as formas aproximando e instalando em cada esquina da nossa realidade.
Muito antes de se tornar no país de dois sistemas que hoje conhecemos foi também por via dos portugueses e de Macau, espaço experimental, como entreposto comercial e cultural . Já nessa época, um tubo de ensaio civilizacional, uma verdadeira start-up, de um modelo, que depois da China se tornar na “fábrica do mundo”, se fez, exportável e replicável, num modelo que muito pouco ou nada difere, em quase todos os pontos do mundo ocidental .
Lisboa, cidade de há séculos cosmopolita, num espaço globalizado e aberto não poderia também escapar a esse fenómeno, e se bem que ainda não tenhamos o espaço físico de outras Chinatown que se formaram em grandes capitais, esta população oriunda daquele longínquo espaço geográfico afirma-se, com outras comunidades asiáticas, na sua presença e na sua cultura, utilizando em proveito próprio, a enorme muralha que para a grande maioria representa a sua língua e os seus costumes, continuando indecifrável e paradoxalmente impenetrável.
Uma realidade diferente, um exotismo latente, um visual e uma grafia próprios, um calendário com outras referências. Se consegue passar, pela sua forma integrada, despercebida à sociedade que a acolhe e integra, predominantemente em termos de comércio, medicina tradicional e restauração, não passa certamente e pelas mesmas razões, despercebida a um olhar observador e diferenciador destas mesmas características e treinado para as registar, como é o olhar do fotógrafo.
Foi essa a tarefa atribuída a Bruno Saavedra , um fotógrafo oriundo de latitudes do Novo Mundo, com passagem , antes de se fixar em Lisboa, por Macau , pela também fotógrafa Paulina Valente Pimentel que lhe propôs, como objecto de construção de uma “narrativa fotográfica”, captar a realidade dos chineses do bairro mais multicultural de Lisboa, o Intendente.
Desta proposta resultou “Made in China” um projecto que vai muito além da recolha puramente documental ou estereotipada, desenvolvendo Bruno Saavedra, com vários paralelismos e bifurcações, uma história visual de segredos revelados, negociados a cada plano, furtivamente estabelecidos de uma forma cúmplice pela familiaridade cultural assimilada em Macau.
Cada imagem é um avanço ou um ponto de situação em que o fotógrafo se posiciona, as pessoas e as suas emoções abrem-lhe à sua procura, o porto, mas mostrando em simultâneo os contrafortes da muralha . O fotógrafo não poucas vezes rompe e ousa expor os tempos, as modas e os detalhes que sobrepõem latitudes e lugares, a verdade do contrafeito e o “kitch”, real ou irreal será o que menos importa.
Nesta Lisboa “Made in China” (nesta China feita em Lisboa) , não há casinos com néons ou árvores das patacas. E há Chineses que jogam o destino na clandestinidade, uns por necessidade, outros como forma de vida . E o olhar não pode perder uma côr, um detalhe, uma luz quando a qualquer momento pode perder todo o brilho.
Na construção de cada imagem, um milhão de detalhes possíveis, o caleidoscópio formado por esta proposta é tão só, uma das muitas possíveis.
O seu conjunto e a exposição daí resultante é fundamentalmente o tesouro de emoções que o olhar do fotografo ocidental se foi apropriar ao Oriente secreto.
Texto de Luis Pereira
Curadoria de Pauliana Valente Pimentel