































Num espaço branco como uma janela de luz, cada um e cada uma sente a sua pele – toca-lhe, cheira-a, prova-a. Com ela combina odores, texturas, sabores que a temperam e a transformam num objeto novo, sedutor ou apenas provocador, manchado ou abjeto, mas sempre sensual.
As fotografias de corpos envolvidos em ingredientes culinários movem-se em torno do universo que cada modelo escolheu naquele momento para o tempero da sua carne. O seu olhar, a expressão do rosto, das mãos, do corpo são a apresentação de um ser feito alimento.
E sabe a doce, melado, atraente e guloso. Ou torna-se acre, repulsivo, arrepiante. Ou ainda quente, picante, sensual, irresistível.
Cobre a testa, o cabelo, as orelhas. Escorre pelos ombros, encrusta-se nos braços e nos cotovelos. Lambe as pálpebras, invade as maçãs do rosto, molha os lábios.
Os sabores transformam-se em cores e texturas: amarelas e rugosas, azuis e pastosas, pérola bem glacée, negras e lineares, multicolores em alto-relevo…
A cada modelo, homem ou mulher, branco ou negro, adulto ou criança, pediu-se que cheirasse, tocasse com os dedos, sentisse na pele, adivinhasse o sabor e o revelasse em expressões do olhar, em esgares, em movimentos desses músculos faciais capazes de falar sem voz, sem som.
Ao olhar do fotógrafo, que exigia entender, que ansiava por um grito, um suspiro, um franzir do sobrolho – interrogação ou exclamação, asserção de gula incómoda, mal disfarçada ou incontida – ele ou ela respondem com a dose de verdade que entendem, controlam ou de que fogem. Ficção de que realidade? Verdade de que ponto de vista? Perspetivas de um quadro de muitas faces, variando.
Confinado(a) a combinações únicas, num intervalo de tempo em que apenas o sabor – que se vai desvanecendo ou acentuando – cada um(a) deixa ao fotógrafo um produto final meramente instantâneo.
Estes são alguns dos muitos Flavors, vistos numa época em que a abundância é frequentemente transformada em desperdício e em que a gula esquece os famintos. Alertam para um mundo em desequilíbrio. Que temos aqui, o ser humano sobrealimentado ou o eternamente faminto?
Nuno Verdial Soares